segunda-feira, 28 de novembro de 2011

RECUPERAÇÃO DE UMA EMPRESA

Quando fui chamado pela primeira vez na minha vida para recuperar uma empresa, levei várias surpresas das quais até hoje me lembro com muita saudade.
Eu avaliava empresas, ou seja, compreendia perfeitamente o DNA financeiro de uma empresa. O fato de que anteriormente eu não tivesse a experiência de tentar recuperar uma empresa, não implicava que estaria impedido de fazê-lo pela primeira vez.  Se você caçava antes leões, porque seria um problema caçar antílopes?
O que as pessoas sabem é que quando uma empresa está torrando seu dinheiro lentamente, cedo ou tarde ela estará inadimplente.
Em quanto tempo o valor dela começará a se diluir?  Esta é uma pergunta que, se não é contestada com suficiente antecipação, o perigo iminente de desaparecer se faz presente.  O valor do qual estamos falando não se restringe ao valor contábil dos ativos da empresa, e sim, ao poder que a empresa tem de gerar lucros, em palavras mais precisas, gerar generosamente sobras de caixa.
O pai do dono da empresa foi a pessoa que me contratou.  Era um homem muito calmo, paciente e sábio, muito diferente do filho, jovem impaciente, pressionado com decisões de curto prazo, mas inteligente.  O problema era que a empresa não parava de consumir suas reservas, e eles pensavam que cedo ou tarde, a falência se apresentaria nos seus portões.
Na época eu estava terminando de preparar um trabalho teórico sobre finanças e não desejava perder a concentração, mas o desafio era sem dúvidas um mar de novas emoções.
Na noite anterior aceitei o convite e no dia seguinte parti para a empresa para começar a conhecer seus pormenores. Transitando até chegar à fábrica, uma só pergunta rondava na minha cabeça.  Porque a empresa gerava perdas?  A pergunta em princípio me parecia idiota.  Se esse era o problema que teríamos que resolver, portanto para que fazer de novo a pergunta?
Comecei a buscar uma outra pergunta que fosse a chave para resolver o meu problema.  Como fazer para virar a situação?  A resposta era óbvia.  Aumente a receita e reduza as coisas que se precisam para manter essa receita.  Pronto, já tinha a solução! Agora era só chegar à empresa, ver o que estava acontecendo com as vendas, e olhar em qual nível os custos e as despesas andavam.  Fantástico, tudo parecia simples.  Pela primeira vez estava enfrentando um novo desafio e já contava com uma solução bem provável.  Seria mesmo fácil.
Mais tarde me lembraria de aquela história de quadrinhos onde um personagem aviário, um condor dos Andes, chamado de “Condorito”, fazia o papel de resolver um problema que consistia em buscar uma forma de como neutralizar os submarinos inimigos que afundavam embarcações. Resolveu ele que se pudesse aumentar a temperatura do mar até os 80 graus Célsius, as tripulações dos submarinos não agüentariam, subiriam até a superfície e ali já seriam um alvo fácil. Os militares reclamariam da dificuldade do aumento da temperatura do mar, mas nosso amigo falou que ele encontrou a solução, ou seja, o que fazer.  O problema agora seria dos técnicos em como fazê-lo.
Eu achava também, assim como “Condorito” na estória de que seria aumentar as vendas e reduzir custos e despesas. Esse era o caminho, mas infelizmente não seria assim tão simples.  E os problemas começariam a se apresentar.  O primeiro não tardou muito a aparecer.
Chegando à portaria para me identificar, um caminhão estava na minha frente.  Esperei um pouco até sua passagem, mas ele não se movia.  Desci para ver o que estaria acontecendo, e tive a surpresa de ver o motorista perdendo a paciência esperando sua entrada na fábrica, e comentando de forma acalorada com o policial da portaria de que era uma mercadoria em devolução.  Parecia que o motorista era amigo da empresa que fazia essa devolução.
Retornei a meu carro, esperei o desenlace da portaria, pensei que a solução de vender mais estava longe de ser acionada com essa devolução, e torcia para que estas coisas não fossem rotineiras.  Identifiquei-me e prossegui às dependências da empresa.
Fui recebido efusivamente pelo pai e mais tarde o filho se apresentou para iniciar uma conversa informal sobre o estado da empresa.
Após ter escutado as explicações de ambos sobre vários pontos da empresa, passei a lhes dizer que o elemento mais importante a se controlar seria algo chamado de Fluxo de Caixa.  Algo parecido com a respiração de um ser vivo.  Se você tem Fluxo de Caixa você respira; se você não tem Fluxo de Caixa simplesmente você não respira.
Na realidade o Fluxo de Caixa era o dinheiro que pode ser tirado da empresa sem afetar sua funcionalidade.  Se em cada período você tira da Receita, as despesas que você precisa fazer para manter essas vendas, e tira também os pagamentos a vencer e os investimentos que pretende fazer, restaria apenas o dinheiro que sobraria para reinvestir no futuro ou ser retirado da empresa como dividendos.  Se esses dividendos são negativos, significaria que sua empresa corre perigo.  Se forem positivos, fique feliz que sua empresa tem valor e você poderá viver muito bem dela.
O filho me respondeu que se isso era tudo o que se teria a fazer, recuperar uma empresa seria uma coisa fácil.  Eu concordei mas não perdi a ocasião de lhe contar a história de nosso amigo “Condorito”.
Expliquei-lhe que se não aumentassem as vendas de forma crescente e lucrativa, a empresa continuaria a apresentar um Fluxo de Caixa negativo, e não tardariam a atingir a inadimplência. De outro lado, se não conseguissem reduzir as despesas, eliminando as desnecessárias, e reduzir os custos, comprando em melhores condições a matéria-prima, continuariam operando em terrenos perigosos.
O filho achou que o problema estaria resolvido com a conversa de duas horas que tivemos.  O pai achou que eu deveria trabalhar uma temporada com o filho.  E eu achei que poderia acompanhar uma vez por semana “treinando” os dois, pai e filho, para revisar e controlar esse Fluxo de Caixa, mas só durante um período de três meses.  E para deixar o filho mais a vontade, prometi que se não conseguisse recuperar a empresa, me demitiria absorvendo totalmente a culpa.
O desafio estava lançado.  O filho não perdeu um segundo em aceita-lo e o pai sentiu que o momento da verdade havia começado.
Na primeira semana tive que estar presente duas vezes.  Familiarizei-me com a operação da empresa e começamos a montar o fluxo de caixa.  A receita foi construída com novas formas de vendas e um estrito controle da qualidade para reduzir as devoluções.
Na segunda semana continuamos resgatando idéias de vendedores experientes e técnicos em produtos que ajudavam a apresentar novos serviços.  As vendas começavam a prometer melhores resultados.
Na terceira semana atacamos os custos. Buscamos matérias-primas de menores preços sem perder a qualidade e reduzimos todos os custos indiretos possíveis. O pai se mostrava satisfeito com os resultados atingidos até esse momento.  Todo o tempo sorria.
No final do mês metralhamos as despesas. Toda despesa que não fosse vital era descartada. Renegociamos com os bancos os empréstimos, passando de taxa de juros estratosféricas à taxas mais suportáveis.  Serviços que não se usavam e eram pagos foram também eliminados.
Na semana seguinte implantamos um sistema para recuperar parte da carteira perdida dos clientes de forma que pudéssemos cobrar dívidas antigas sem deixar de entregar pedidos importantes para eles.
Conseqüentemente, na medida em que passavam os dias, o Fluxo começava a se mostrar azul, e o sorriso do pai atingia de orelha a orelha cada vez que eu ia lhe perguntar alguma coisa.
Eu não perdia oportunidade de lhes explicar o porquê de determinadas coisas.  Seu funcionamento, seu relacionamento com outras áreas, seu cálculo, os resultados esperados.
No final do segundo mês a situação estava controlada.  O Fluxo atingia números azuis, mesmo que não fossem grandes, mas pelo menos eram positivos.
Venceu a razão, a constância e a paciência.
Eu estava me demitindo, e pai e filho encontravam mais pontos em comum que antes não desfrutavam.
Quando saí da portaria da empresa pela última vez, sabia que novas portas estariam se abrindo. Também confirmava que era possível colocar de novo nos trilhos uma empresa viável.
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Isaac Hayon Sasson 

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