domingo, 5 de agosto de 2012

Os nerds que atrairam os gringos


Mais preparados e mais velhos que a geração anterior, os novos empreendedores de tecnologia do país viraram o principal alvo dos fundos estrangeiros de capital de risco, que não param de chegar

O paulistano Fernando Okumura, de 34 anos, poderia ter escolhido a profissão que quisesse. Depois de iniciar a faculdade de medicina na Universidade de São Paulo, abandonou o curso para fazer economia na respeitada escola de administração Wharton, da Universidade da Pensilvânia.
Na sequência, fez MBA na Universidade Stanford, na Califórnia, outra que está entre as melhores escolas de negócios do mundo. Com um currículo impecável, conseguiu emprego no banco JP Morgan em Nova York. Depois de dois anos, foi trabalhar na consultoria McKinsey na Austrália.
Os salários polpudos e as posições em empresas de destaque, porém, não foram suficientes para satisfazer seus anseios. Okumura voltou ao Brasil em 2006 e fundou duas empresas, entre elas o site de compras coletivas ClickOn.
Em 2009, com o dinheiro da venda dessas empresas (Okumura não revela os valores, mas estima-se que o ClickOn tenha lhe rendido 100?000 reais), iniciou seu terceiro projeto: um guia online de busca e referência de locais, o Kekanto. Não demorou para atrair a atenção de investidores.
No ano passado, o Kekanto recebeu aporte de valor não revelado de um dos maiores fundos de venture capital do mundo, o Accel Partners, que tem o Facebook e o site de compras coletivas Groupon em seu histórico de investimentos. Okumura nem chegou aos 35 anos, é presidente de sua empresa e, se amanhã tudo der errado, ainda tem um currículo capaz de recolocá-lo num bom emprego.
Uma análise do mercado brasileiro de startups, como são chamadas as empresas iniciantes de tecnologia, mostra que sua história não é exatamente única. Nos últimos tempos, surgiu no país um novo perfil de empreendedor. São profissionais mais velhos do que os da geração anterior, com mais escolaridade - muitas vezes, isso inclui um MBA no exterior - e mais experiência profissional.
Da última vez que o país viveu um boom de negócios de tecnologia, no final da década de 90 e início dos anos 2000, prevaleciam casos como o dos quatro universitários paulistanos fundadores do BuscaPé, liderados por Romero Rodrigues, e o do gaúcho Marcelo Lacerda, que aos 24 anos criou o provedor de internet Nutecnet, a origem do portal Terra.
A maioria dos empreendedores tinha 20 e poucos anos e cursava faculdades em áreas técnicas. "Naquela época, o objetivo dos empreendedores era fazer um produto que atraísse usuários imediatamente, não se dava muita atenção ao planejamento", afirma o presidente da Associação Brasileira de Startups, Gustavo Caetano.
Passados dez anos, a lógica mudou e a preocupação predominante é com o plano de negócios. Nesse sentido, o maior número de brasileiros em escolas de negócios em universidades americanas ajuda. A experiência no mercado de trabalho antes de empreender também faz crescer as chances de sucesso.
Os paulistanos Bob Rossato e Alex Todres, de 31 e 36 anos, trabalharam na Decolar.com, agência argentina de turismo online criada em 1999 e avaliada hoje em 800 milhões de dólares. Quando fundaram o Viajanet, em 2009, site especializado na venda de passagens aéreas, já tinham quase 15 anos de experiência.
O site se especializou nas vendas para a nova classe média e atraiu a atenção dos fundos americanos RedPoint Capital e General Catalyst Partners, que investiram na empresa em 2011 (o valor não foi revelado). O site faturou 200 milhões de reais no ano passado. 
Os novos empreendedores, justiça seja feita, têm à disposição um ambiente mais favorável aos negócios do que a geração passada. Para começo de conversa, o mercado brasileiro ganhou uma nova dimensão. São 80 milhões de usuários de internet, o quinto maior mercado do mundo.
Em vendas de PCs, o Brasil só perde para China e Estados Unidos. Ao todo, o país conta com 200 milhões de linhas de celulares e 40 milhões de pessoas que acessam banda larga via redes 3G. Fora isso, hoje, toda a infraestrutura necessária para começar uma empresa pode ser alugada em serviços de computação em nuvem a custos muito inferiores aos praticados no começo da década passada.
"A estrutura de armazenamento de dados custa um centésimo do preço de dez anos atrás", diz Yuri Gitahy, presidente da Aceleradora, grupo de apoio a jovens empresas de internet, baseado em Belo Horizonte. Segundo Gitahy, uma startup em seus primeiros dias pode começar a oferecer seus produtos ao consumidor com um custo que raramente ultrapassa 100 reais por mês. Isso ajuda a explicar por que estima-se em 6 000 o número de startups no Brasil, 1?000% mais do que no início dos anos 2000.
Esse novo cenário vem contribuindo para a formação de um ecossistema mais maduro no setor de internet. Empreendedores mais bem preparados têm mais chances de sucesso e atraem um número crescente de investidores estrangeiros. Em 2009, o site BuscaPé, que compara preços do varejo, foi vendido por 342 milhões de dólares ao grupo de mídia sul-africano Naspers.
Nos últimos dois anos, mais de 20 fundos americanos e europeus especializados em jovens empresas de tecnologia, entre eles seis dos 15 maiores do mundo, começaram a operar no Brasil. São nomes como Sequoia Capital, Accel Partners, Benchmark Capital e Tiger Global, fundos com históricos que incluem Facebook, Google, Apple e eBay.
Um estudo recentemente divulgado pela Associação Americana de Venture Capital concluiu, após ouvir 400 fundos, que o Brasil é o segundo país que mais inspira confiança para investimentos, atrás apenas dos Estados Unidos.
"O país vive hoje o cenário que a China apresentava em 2002, quando mais pessoas passaram a ter acesso à renda e estudantes voltavam de cursos de MBA na Europa e nos Estados Unidos para empreender", diz Jon Karlen, sócio do fundo Flybridge Capital Partners, que investiu em quatro empresas no Brasil, entre elas o site de comércio de calçados Shoes4You. 
Inspiração
A Netshoes é um dos principais exemplos das empresas que estão atraindo a atenção dos fundos - sites com alto potencial de crescimento. Em 2007, a varejista de calçados nascida em 2000 abandonou suas lojas físicas para se dedicar ao comércio online. Estabeleceu padrões inspirados na Amazon, investiu em logística e em sistemas de recomendação de produtos com base no cruzamento das preferências dos usuários.
No fim de 2010, recebeu aporte de valor não revelado do fundo americano Tiger Global e cresceu aceleradamente, deixando para trás grandes lojas virtuais brasileiras, como a Saraiva e o Extra. 
Assim como acontece nos Estados Unidos, os fundos de capital de risco têm olhado aqui no Brasil para sites de diferentes setores. O carioca Julio Vasconcellos, do site de compras coletivas Peixe Urbano, os paulistanos Flávio Pripas, da rede social de moda Fashion.me, e Leonardo Simão, do site de compras coletivas especializado em itens para crianças Bebê Store, são três empreendedores que receberam investimentos recentemente.
"A cada novo anúncio de aporte, aumenta o número de jovens que ganham confiança para abrir um negócio", diz Ricardo de Carvalho, sócio da consultoria Deloitte. 
Além de motivada pelo desenvolvimento do mercado brasileiro, a chegada dos fundos estrangeiros tem uma lógica externa. A maioria deles possui, há anos, escritórios nos principais polos mundiais - Estados Unidos, Is­rael, Europa, Índia e China. Como a competição por empresas nesses lugares fez com que os preços subissem, começou a fazer mais sentido buscar uma nova frente, como a América Latina.
A comparação com a China dá uma medida do quanto o mercado brasileiro ainda pode crescer. Nos últimos 18 meses, aconteceram 90 investimentos de 40 fundos em empresas chinesas, o triplo do número registrado no Brasil.
Para o executivo Alexandre Hohagen, que já foi presidente do Google na América Latina e hoje comanda o Facebook na região, a chegada desses grandes fundos é fundamental não apenas para os empreendedores mas também para disseminar a cultura do risco entre os investidores locais.
"Estamos acostumados a aplicar em renda fixa, na bolsa e em imóveis. O interesse de investidores estrangeiros em startups fará com que muitos comecem a prestar atenção nesse segmento", diz. Recentemente, um grupo de ex-alunos brasileiros da Universidade Harvard criou uma filial do HBS Alumni Angels, uma associação que tem o aval para usar o nome da tradicional escola de negócios americana.
O grupo tem a missão de garimpar novos negócios em fase muito inicial - daí o termo "anjo". As empresas escolhidas podem contar com investimentos de gente como Benjamin Quadros, presidente da BRQ, uma das maiores empresas de software de capital nacional, e Álvaro Santos, sócio do Pinheiro Neto Advogados, um dos principais escritórios de advocacia do país, além de outras 40 pessoas com currículo semelhante.
O principal ativo do grupo, porém, não é o dinheiro, mas o aconselhamento aos empreendedores. De acordo com Magnus Arantes, sócio da empresa de participações LM-Invest e presidente do HBS Alumni Angels of Brazil, os investimentos serão em jovens empresas de setores como internet, biotecnologia e finanças.
Para Bob Wollheim, fundador da empresa de conteúdo digital Sixpix e membro da Endeavor, organização de apoio ao empreendedorismo, a formação de grupos como os de Harvard mostra uma evolução no perfil de quem investe em startups. "Antigamente, quem fazia o aconselhamento não era quem dava o dinheiro", diz Wollheim. "Agora, o mentor é quem assina o cheque, e isso faz toda a diferença."
Os avanços do ambiente de negócios para startups no Brasil são palpáveis, mas o ciclo só estará completo quando os fundos que agora estão investindo conseguirem obter o retorno sobre o valor aplicado. Há duas formas tradicionais de "saída" de um investimento: a venda da empresa para uma companhia maior ou a abertura de capital na bolsa de valores.
"Esse é um fator que preocupa os estrangeiros porque o mercado de capitais no Brasil não tem tradição com o lançamento de ações de empresas de internet", afirma Cate Ambrose, presidente da Associação Latino Americana de Private Equity e Venture Capital.
Essa é uma questão que pode ser revertida nos próximos cinco anos, prazo que os fundos costumam esperar antes de vender suas participações. O tempo dirá se isso vai mudar. Mas um avanço já é palpável: os nerds brasileiros estão na moda - e ganhando como nunca.

Exame

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