Denis Damazio esteve envolvido com a busca pelo Bóson de Higgs e foi fundamental no processo de seleção de dados gerados pelo acelerador
São Paulo - O Centro Europeu de Pesquisas Nucleares, o CERN, anunciou nessa semana a descoberta de uma partícula. Ela pode ser o Bóson de Higgs, também conhecido como Partícula de Deus. O brasileiro Denis Damazio faz parte do grupo Atlas, que anunciou a descoberta da partícula. A equipe é responsável por um dos detectores do LHC, o Grande Colisor de Hádrons, o maior acelerador de partículas do mundo.
Damazio esteve envolvido com a busca pelo Bóson de Higgs e foi fundamental no processo de seleção de dados gerados pelo acelerador. Em conversa com a INFO, o pesquisador contou como foi o anúncio da descoberta e quais os próximos passos dos físicos a fim de confirmar a existência do Bóson de Higgs.
Você estava presente durante o anúncio?
Eu estava na sala de conferência. Quando a porta-voz do experimento Atlas encerrou a sua apresentação, ela estava visivelmente emocionada. Nesse momento, as câmeras mostraram Petter Higgs, o criador da teoria e que espera por um Prêmio Nobel há quase 50 anos. Ele estava chorando. Esse foi um momento complicado e muito bonito.
Será que agora o Petter Higgs conseguirá ganhar um Prêmio Nobel?
É difícil dizer. Até agora, só podemos dizer que o CERN encontrou uma nova partícula, que parece bastante consistente com o Bóson de Higgs (várias propriedades batem com o esperado). Infelizmente, muitas outras propriedades precisam ser checadas antes de cantar a vitória final.
Com certeza, vamos precisar de ainda mais dados para ter a prova final. Aliás, o acelerador já ligou de novo essa semana e estamos trabalhando para isso. Por outro lado, Higgs, François Englert e os outros que têm chance de ganhar o prêmio estão muito idosos (e não existe Nobel póstumo). Então, se o comitê do Nobel não se decidir logo, pode não ter o que decidir mais tarde. O que seria uma tristeza.
A busca pelo Bóson de Higgs envolve muitos cientistas?
A pesquisa depende do trabalho conjunto de muitos profissionais. É verdade que o número de profissionais que trabalha diretamente nos resultados relativos ao Bóson de Higgs é reduzido. Mas, o trabalho deles depende de muitos outros pesquisadores. Por exemplo, eu trabalho, entre outras coisas, com algoritmos que extraem informação dos detectores de elétrons ou fótons. Ora, se o detector não funcionar direito, o meu algoritmo não trabalhará também.
Logo, eu dependo do grupo que mantém a qualidade do detector. Ao mesmo tempo, o pesquisador que procura o Bóson de Higgs precisa ter dados extraídos pelos meus algoritmos. Ou seja, se meu algoritmo não funcionar direito, as chances de achar o Bóson de Higgs ficam reduzidas. Portanto, existe toda uma cadeia complexa que tem que funcionar em harmonia.
O que o CERN fará a partir de agora? Como serão feitas as pesquisas para descobrir se ela realmente é o Bóson de Higgs?
Agora, vamos medir várias propriedades dessa partícula recém-descoberta, como o seu magnetismo, de que forma ela interage com outras partículas e medir melhor a sua massa. Para completar, os experimentos ainda não apresentaram resultados finais. Tanto os físicos do Atlas quanto os do CMS, dois experimentos do LHC, apresentaram resultados parciais.
Ainda falta estudar o Bóson de Higgs em outras condições e analisar todos os canais possíveis de decaimento da partícula porque ela tem vida curta. Além disso, ainda temos a investigação sobre a matéria e energia escuras, dimensões extras e a intensidade da força gravitacional. Ou seja, temos material para umas duas décadas de estudos, com certeza.
Quando o CERN irá anunciar se essa partícula encontrada é realmente o Bóson de Higgs?
Com sorte, até o final desse ano. Sem sorte, em algum momento de 2015, já que o acelerador vai ser aprimorado durante 2013 e metade de 2014. Algumas peças serão substituídas, enquanto outros componentes serão melhorados. Quando tudo isso estiver pronto, o LHC voltará a funcionar.
E depois que comprovarem que essa partícula é o Bóson de Higgs? O Modelo Padrão estará comprovado ou ainda falta descobrir alguma coisa?
O modelo padrão em si já está comprovado há três décadas. Podemos dizer que ele é incompleto e ficaria mais completo graças ao Bóson de Higgs. Porém, existe muita coisa além do modelo padrão para continuar o trabalho. Por exemplo, matéria e energia escura, dimensões extras, entre outras.
Quando descobriram o elétron, muitos não sabiam qual a utilidade essa partícula poderia ter. Agora, toda a tecnologia envolve os elétrons. O Bóson de Higgs pode ter alguma utilidade prática na vida das pessoas?
Por ser muito difícil produzir o Bóson de Higgs, encontrar uma utilidade prática seria muito complexo. Elétrons a gente encontra em qualquer parte. O Bóson de Higgs, ninguém tinha visto até agora. Isso não impede que apareça alguma aplicação prática dessa nova partícula. Mas, não acredite que o controle dessa partícula vai possibilitar a construção de um carro voador.
O Brasil tem tentado ser membro do CERN, mas parece que as coisas estão enroladas. Esse é um problema do CERN?
Não, infelizmente. O problema é no Brasil. Por isso, o diretor-geral do CERN, Rolf Heuer, acusou o Brasil de lentidão. Em 2010, o Brasil assinou uma carta de intenções que deu início ao processo de adesão do país ao CERN. Caberia ao Brasil pagar US$ 10 milhões por ano, 10% do dinheiro pago por um membro europeu. Desde então, o país não se manifestou novamente.
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