domingo, 4 de dezembro de 2011

O mercado explodiu

Junte um mercado liberado para os estrangeiros, uma economia em crescimento, um monte de projetos de infraestrutura e um setor pouco explorado. O que se tem? Uma avalanche de oportunidades

Ilustração: Rafael Pera
Da central de rastreamento vem o alarme: o idoso, portador de uma pulseira eletrônica, ultrapassou a área demarcada e corre risco. Imediatamente, um funcionário da seguradora entra em contato com o parente mais próximo cadastrado na apólice e avisa. Corta. Em outra cena, os sistemas da seguradora detectam, graças a um dispositivo instalado no veículo, que ele tem sistematicamente passado a noite fora do endereço registrado no contrato. Ou flagram manobras arriscadas ou excesso de velocidade. A seguradora então cancela o desconto dado ao cliente em troca do compromisso de manter o carro em local considerado mais seguro e de dirigir com prudência.
Futurista? Invasivo? São situações próximas da realidade. No caso dos automóveis, já há nos países mais ricos testes de dispositivos capazes de vigiar os clientes. No Brasil, quem topar instalar um rastreador pode ganhar desconto na apólice contra furto ou roubo. É pouco, ainda. Alguns laboratórios de seguradora pensam em muito mais. Vivem uma agitação estranha para um setor tão conservador – pela própria essência do negócio.
Os seguros existem há mais de 4 mil anos. O primeiro registro histórico vem de condutores de caravanas da Mesopotâmia e da Babilônia, que se cotizavam para cobrir a perda de animais usados no transporte de carga. Exemplos assim se repetiram durante séculos, em várias culturas, até o estabelecimento de um modelo parecido com o atual, num balcão de bar londrino onde se encontravam navegadores. Foi em 1678, no bar de Edward Lloyd. Até hoje, o Lloyd’s é o grande centro mundial de negociação de seguros. Por lá passam contratos de cerca de 200 países.
O crescimento da economia, a inclusão social, a exploração do pré-sal e as obras do PAC, da Copa e da Olimpíada prometem multiplicar os negócios nos próximos anos

A agitação no Brasil de hoje vem do fato de o mercado ter ficado maior, mais complexo e mais disputado. De 2005 a 2010, o faturamento anual das seguradoras cresceu 38% em termos reais. Chegou a R$ 124 bilhões, segundo a consultoria especializada Siscorp, com base em dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep). E não há sinal de desaceleração. Em 2010, o avanço foi de 7,9%, fora a inflação. No primeiro semestre deste ano, houve aumento nominal de 21,6% em comparação com o mesmo período de 2010 (sem incluir o seguro-saúde, cujos dados não tinham sido divulgados).
A principal razão é a estabilidade da economia, que dá mais condições de as pessoas se planejarem – seguro e previdência são formas de poupança, de proteção e de garantia do futuro. O espaço para crescer ainda é grande: a participação dos seguros no PIB está em 3,5%, bem inferior à dos Estados Unidos (8%), do Japão (10%), do Reino Unido (12%) e até de outros emergentes, como Índia (5,1%) e China (3,8%). A média mundial é de 6,9%, segundo a resseguradora Swiss Re. O setor deve se beneficiar do crescimento da economia, da inclusão social, dos investimentos no pré-sal e das obras de infraestrutura do PAC, da Copa e da Olimpíada. Só em infraestrutura, a Confederação Nacional de Seguros (CNSeg) prevê investimentos de R$ 300 bilhões até 2016, que levarão a receitas de R$ 8 bilhões para segurar as obras. Levando em conta apenas a mobilidade social, o setor deve dobrar até 2015, para 7,5% do PIB, diz Marco Antonio Rossi, presidente da Bradesco Seguros, a maior do setor. Claro que as oportunidades crescem. “Teremos uma nova seguradora dentro do grupo”, diz Rossi.
O bolo está maior, mas tem muito mais convidados. A desregulamentação gradual – desde a permissão, em 1996, de grupos estrangeiros controlarem nacionais – culminou com a quebra em 2008 do monopólio do resseguro, a operação em que uma seguradora repassa a outra o valor acima do seu limite legal. O fim do monopólio do estatal Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) trouxe as grandes companhias internacionais. O que era uma virou 103 resseguradoras registradas na Susep.
103 resseguradoras passaram a atuar no mercado brasileiro depois da quebra do monopólio do IRB, em 2008, e hoje engrossam o número de competidores no mercado
Ou inova ou faz parcerias
Não vai parar por aí. A consultoria internacional Accenture prevê que nos próximos dez anos 60% dos novos negócios das seguradoras virão dos mercados emergentes. “E o Brasil será o principal destino, porque aqui a regulamentação é mais avançada e sofisticada”, diz Acácio Queiroz, CEO no Brasil da americana Chubb.
As que aqui já estão têm duas formas de enfrentar a concorrência: estruturar-se para inovar e se associar para ganhar escala. A inovação tem levado a vários novos produtos (leia na próxima reportagem). A SulAmérica, por exemplo, criou uma diretoria de estratégia e inteligência. “Ninguém mais lança produto sem fazer uma detalhada pesquisa”, diz seu presidente, Thomaz Menezes.
Está em curso uma onda de parcerias entre os grandes: do Banco do Brasil com a Mapfre, do Itaú Unibanco com a Porto Seguro e, a mais recente, do Santander com a suíça Zurich

Em associações, o jogo tem sido bem jogado, geralmente por gente grande . Já em operação, a recente união do Banco do Brasil com a espanhola Mapfre, que se tornou a maior seguradora de bens do país. Na previdência aberta, o BB renovou no ano passado a associação com a americana Principal na BrasilPrev e concentrou as operações de capitalização na Icatu Seguros. O objetivo é que, até 2013, a participação de seguros, previdência e capitalização no lucro do banco passe dos atuais 14% para 25%. Há dois anos era de 9%. “O objetivo é, também, a liderança”, afirma Paulo Rogério Caffarelli, vice-presidente do Banco do Brasil. Na líder Bradesco, a área de seguros contribui com 28% dos lucros do banco.
60% dos novos negócios das seguradoras do mundo virão de mercados emergentes, como o Brasil, nos próximos dez anos, segundo estimativa da consultoria Accenture

Sem revelar números, o Itaú Unibanco também quer que seguros, previdência e capitalização adquiram mais importância relativa. “É o nosso maior desafio”, diz um de seus diretores executivos, Marcos Lisboa. Em 2009, quando já era líder em seguro residencial, o grupo associou-se à Porto Seguro, líder no ramo de carro. Também em 2009, desfez parceria até então mantida com a XL e assumiu o comando da operação de grandes riscos.
Outro grande, o Santander, acertou, este ano, parceria com a suíça Zurich. “Em cinco anos, estaremos entre os três maiores grupos seguradores do Brasil”, afirma Marcus Vinicius Martins, CEO de seguros gerais da subsidiária brasileira da Zurich. Mesmo a Caixa Seguros, dona de mais de 70% do rentável seguro habitacional – na esteira de uma formidável carteira de crédito imobiliário do banco, a maior do mercado –, quer mais. Criou a Caixa Seguros Saúde para oferecer seguro médico-hospitalar e odontológico. Não há como ficar parado no novo cenário.
Quando esta edição fechava, a francesa Axa e a japonesa Tokio Marine disputavam a participação de 36% do ING na SulAmérica, negócio avaliado em mais de US$ 1 bilhão
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ÉpocaNegócios

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